quarta-feira, 22 de agosto de 2012

O baião de Luiz Gonzaga na sala de aula


Aqui em Mesquita, estamos homenageando este ano o Rei do Baião, o Lua Luiz Gonzaga. Abaixo, uma matéria bacana da revista para nosso deleite e aprofundamento.

O baião de Luiz Gonzaga na sala de aula

No centenário do nascimento de Luiz Gonzaga, faça a turma dançar e se encantar com o ritmo nordestino que ganhou o País e há mais de 60 anos influencia a MPB

Elisângela Fernandes (novaescola@atleitor.com.br)
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Luiz Gonzaga, o rei do Baião. Foto: Luizinho Coruja
Engana-se quem pensa que o Baião é coisa do passado. Muito pelo contrário, ele segue vivo e influenciando a Música Popular Brasileira até hoje. E como o próprio criador do gênero cantou "Luiz Gonzaga não morreu / Nem a sanfona dele desapareceu". Isso porque desde que foi criado em 1946, sua batida está presente, direta ou indiretamente, em todos os movimentos musicais que surgiram em seguida.
Nascido em 1912, o filho mais ilustre da cidade de Exu, no sertão pernambucano, ganhou o Brasil após conhecer um dos seus mais importantes parceiros: o advogado cearense Humberto Teixeira. É deles a música Baião, que marca o nascimento do gênero: "Eu vou mostrar pra vocês/ Como se dança o baião/ E quem quiser aprender/ É favor prestar atenção". Depois desse manifesto, Gonzaga estourou, vendeu milhares de discos e colocou o nordeste no cenário da MPB.
O Rio de Janeiro era um terreno fértil para a divulgação da música nordestina e do forró nas suas mais diferentes variações como baião, chamego, xaxado, xote e o coco. Nas décadas de 1940 e 1950 o rádio era o meio de comunicação mais popular no País. Além disso, a intensificação do processo de migração que trouxe milhares de nordestinos ao sul e sudeste do país.
Não há dúvidas de que Lua, como Gonzaga também ficou conhecido, é um dos construtores da MPB. "Ele não foi só um instrumentista ou um compositor. Gonzaga definiu um gênero musical e sintetizou como ninguém a cultura nordestina" exalta o jornalista e historiador, Paulo César de Araújo, autor do livro Eu Não Sou Cachorro, Não. Antes dele, outros nordestinos tentaram, mas nenhum conseguiu a projeção nacional de Gonzagão.
Para o sociólogo alemão Norbert Elias, o êxito alcançado por um artista não pode ser atribuído apenas à sua suposta genialidade. O resultado depende de inúmeras variáveis, articuladas entre si, em um determinado contexto social. "O rei do Baião estava no lugar certo, na hora certa", afirma Maria Sulamita de Almeida Vieira, professora da Universidade Federal do Ceará e autora de Luiz Gonzaga, o Sertão em Movimento.

O valor de um nordestino
Apesar do grande sucesso entre as massas, o reconhecimento por parte da classe média e da intelectualidade brasileira só chegou quando Gonzaga já era sexagenário. "Isso não aconteceu só com o Baião. Muitos dos mitos da MPB, que hoje são exaltados pelas elites culturais e críticos eram desprezados quando surgiram, ainda que fossem amados pelo povo. Exemplo disso foi o que ocorreu com Orlando Silva, cantor das multidões. Na época, essas pessoas não tinham o menor interesse por ele", avalia Paulo César de Araújo.
Durante muito tempo, a boa MPB era aquela produzida em três períodos muito distintos. Durante a Época de Ouro, que vai de 1930 a 1945, com nomes como Noel Rosa, Cartola e Nelson Cavaquinho, e depois com a Bossa Nova, em 1959, e a Tropicália, em 1960. "O baião ficou no meio, entre a tradição e a modernidade. Com isso, passou a ser tratado como um momento menor da nossa música", lamenta o jornalista.
O reconhecimento pelas elites culturais chegou com as declarações de outros nordestinos: os baianos Caetano Veloso e Gilberto Gil já traziam o rei do baião em sua memória afetiva e declararam em diversas entrevistas a importância do sanfoneiro para sua formação musical. Com isso, o baião ganhou o aval de dois jovens expoentes da MPB. Exemplo disso é a gravação de Asa Branca, única música cantada em português por Caetano Veloso no disco que lançou na Inglaterra durante o exílio, em 1971.
Ao longo de sua carreira, Luiz Gonzaga recebeu inúmeras homenagens de seus discípulos, em gravações com Carmélia Alves, Dominguinhos, Elba Ramalho, Fagner e Milton Nascimento. Em 1984, recebeu o Prêmio Shell - antes do sanfoneiro, somente Pixinguinha, Dorival Caymmi e Tom Jobim haviam sido agraciados.
"A música de Gonzaga continua aí, influenciando direta ou indiretamente as novas gerações", defende Paulo César de Araújo. O jornalista explica que diferentes aspectos de sua obra são encontrados nas músicas de Raul Seixas, no movimento Manguebeat na década de 1990, com Chico Science e a Nação Zumbi, o Cordel do Fogo Encantado, Mestre Ambrósio, Osvaldinho do Acordeom, Lenine, Zeca Baleiro, Marisa Monte, e tantos outros.


A música de Gonzagão: alma do sertão
Como na maioria das canções populares, as temáticas recorrentes na obra de Luiz Gonzaga são o amor e a saudade. Só que em suas composições, a separação é motivada pela seca, como em seu maior sucesso Asa Branca: "Quando o verde dos teus oio / Se espalhar na prantação / Eu te asseguro não chore não, viu / Que eu voltarei, viu / Meu coração".
O drama do retirante aparece com fortes elementos de crítica social e de protesto, sobretudo, nas músicas em que contou com a parceria de Zé Dantas, como em Vozes da Seca: "Seu doutô os nordestinos / Têm muita gratidão / Pelo auxílio dos sulistas / Nesta seca no sertão / Mas doutô uma esmola/ A um home qui é são / Ou lhe mata de vergonha / Ou vicia o cidadão".
Outro exemplo de crítica é A Triste Partida: "Faz pena o nortista / Tão forte, tão bravo/ Viver como escravo / No Norte e no Sul", resultado do encontro da música com a poesia. A gravação de Luiz Gonzaga contribuiu para impulsionar a divulgação da obra do poeta cearense Patativa do Assaré, outro ícone da cultura nordestina.
Além da temática da seca e da pobreza, o sanfoneiro atribuiu outras imagens e símbolos ao sertanejo. São muitas as músicas em que está presente a poesia, a alegria, a dedicação ao trabalho, a bravura, a beleza e a coragem do povo nordestino. "Com isso, ele faz uma reinterpretação do nordeste e do sertão", explica Sulamita.
Em suas apresentações o rei do baião reagrupou artefatos e um conjunto de símbolos da cultura nordestina. A partir de 1953, o sanfoneiro passou a usar o chapéu de couro e roupas inspiradas em Lampião. Na biografia Vida do Viajante: A Saga de Luiz Gonzaga, a jornalista francesa Dominique Dreyfus conta que a inspiração veio do músico Pedro Raimundo, que se apresentava com roupas típicas de gaúcho.
Gilberto Gil, Em diversas entrevistas, se recorda do primeiro grande show que assistiu foi de Gonzaga, quando tinha apenas 11 anos de idade e afirma que estava diante de um grande astro pop, com suas músicas inigualáveis, seu figurino, suas sanfonas, seus músicos.

O trabalho com o ritmo e com a dança em sala de aula
A obra do sanfoneiro é tema essencial nas aulas de música. André Hosoi, músico, coordenador pedagógico do grupo Barbatuques e professor do colégio Vera Cruz, em São Paulo, explica como o assunto é trabalhado em suas aulas: a primeira coisa é fazê-los dançar, pois "quando o corpo entende, a compreensão sobre o ritmo ocorre de forma muito mais natural". Os alunos podem - e devem - não só estudar a história desse gênero, como também aprender a tocá-lo. Com os ouvidos atentos e orientação do professor é possível entender o papel de cada instrumento no Baião: a sanfona tem a função harmônica e melódica, já a base rítmica é formada pelo zabumba, que marca o tempo, e pelo o triângulo, no contratempo.





O professor explica que é preciso escolher bem o repertório para que os alunos conheçam a diversidade e riqueza das músicas do rei do baião. Por isso não deixa de tocar os xotes: Riacho do Navio e Sala de Reboco, o arrasta-pé de Vem Morena ou de Pagode Russo, nem mesmo o baião lento do próprio Baião ou ainda uma versão mais rápida como Respeita Januário.
Para aproximar os alunos da obra de Luiz Gonzaga, André não perde a oportunidade de trazer algumas versões, que os próprios estudantes devem conhecer ou que seus pais escutem, como oXote das Meninas com a cantora Marisa Monte ou, ainda, Espinho na Roseira, um baião com batida mais roqueira, na interpretação do Kanark.


FONTE: Revista Nova Escola

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