segunda-feira, 11 de julho de 2011

Trabalhando História através da Música: sugestão de trabalho

Olá amigos! Para aqueles desejam alguma sugestão de como trabalhar música para enriquecer conteúdos, segue um artigo publicado na Revista de História da Biblioteca Nacional.

Aula afinada

Estudar o conteúdo de canções populares pode ajudar na compreensão do que ocorria no Brasil em várias épocas

Romney Lima


  • Quando quatro professores apaixonados por samba pegaram seus instrumentos e criaram o projeto História Através da Música, em 2001, eles tinham muito mais coisas em mente do que apresentar canções aos seus alunos. Estimular debates sobre a atualidade das letras, as realidades históricas abordadas e a biografia dos compositores certamente dinamizaria as aulas de História do Brasil nas escolas do Rio de Janeiro. Ainda mais com o auxílio luxuoso das composições de mestres como Cartola, Gonzaguinha, Chico Buarque, Aldir Blanc, Geraldo Pereira, Noel Rosa e Silas de Oliveira.
    As diversas pesquisas na área provam que centenas de compositores se preocuparam em retratar o cotidiano da época em que viveram ou fatos históricos. Dessa forma, a música se transforma em uma ferramenta de aprendizado muito poderosa e um grande auxílio para os professores. Por isso, os resultados do projeto não demoraram a aparecer. O que os alunos, inicialmente, consideravam “músicas de gente velha” passou a fazer parte da trilha sonora de seu cotidiano. Muitos trocavam ideias com os pais sobre a época das composições, os estilos musicais e alguns autores quase esquecidos pela memória musical brasileira. Um ex-aluno, por exemplo, ouviu algumas músicas de Cartola no projeto e passou a conhecer toda a sua discografia. Este interesse se estendeu para a Internet, onde vários desses adolescentes começaram a baixar músicas de discos raros. A experiência bem-sucedida em sala de aula pouco a pouco foi se ampliando e começou a atingir um público mais variado a partir de 2006, quando ganhou novos espaços, como teatros, museus e centros culturais.
    As apresentações dos quatro professores passaram a ter ares de show-aula logo que três músicos – que já tocavam em rodas de samba e choro da cidade do Rio de Janeiro –, um ator e um diretor artístico se juntaram ao grupo com o nítido intuito de melhorar a qualidade musical do trabalho. Esse novo formato aliou a música e a História a outras linguagens, como o teatro e a literatura. Além disso, o uso de imagens – como fotografias de época, charges e pinturas históricas – ajudou a enriquecer os debates.
    Com base nesse modelo, foram criados espetáculos temáticos relacionados a datas importantes e a aspectos mais amplos da História do Brasil. No centenário de nascimento do compositor e jornalista Almirante (Henrique Foréis Domingues, 1908-1980), em 2008, por exemplo, foi apresentado o show-aula “Rádio Nacional – uma homenagem ao Almirante” na abertura de um Simpósio Internacional de Contadores de História, realizado no Sesc de Copacabana. O ator fez o papel de Almirante, enquanto os professores e músicos contaram a história do rádio no Brasil.
    Englobando um período que ia das primeiras transmissões radiofônicas, no início do século XX, até o auge da Rádio Nacional, nas décadas de 1940 e 1950, a apresentação incluía a execução de jingles da época – como os dos sabonetes Eucalol e Lifebuoy – e a narração de fatos curiosos. Como a história em que Noel Rosa – um dos maiores ídolos de Almirante – era contrarregra do programa “Curiosidades musicais”, mas não em todas as transmissões: só quando conseguia chegar à emissora na hora certa. Outro destaque no show-aula foi o fato de Almirante ter sido um dos primeiros profissionais do rádio a migrar para a televisão, quando Assis Chateaubriand (1892-1968) fundou a TV Tupi. O público presente, em sua maioria com mais de 60 anos – provando que não há idade para se aprender História –, participou cantando as músicas e trazendo um pouco de suas lembranças e experiências para os debates que faziam parte do programa.
    Durante as comemorações do Dia Nacional do Choro em Belo Horizonte e Ouro Preto, em abril de 2009, o grupo apresentou “Cantando e contando a história do choro”, que analisava a trajetória do gênero musical no Brasil, do século XIX até os dias de hoje. Monteiro Lobato foi o mote de outra apresentação, que celebrou o Dia Nacional do Livro. Para falar da vida do escritor, o grupo discorreu sobre sua atuação na República Velha (1889-1930), suas relações com o governo Vargas (1930-1945), a causa do petróleo e seu universo literário infantil. Muitas músicas são relacionadas a esse tema. Entre elas estão “Pauliceia desvairada – 70 anos de modernismo”, de D. Branco, Déo, Maneco e Caruso, samba-enredo da Estácio de Sá em 1992; “Brasil Pandeiro”, de Assis Valente; “Festa animada”, de Dona Ivone Lara; “Emília”, de Sérgio Ricardo; e “O mundo encantado de Monteiro Lobato”, de Darcy da Mangueira, samba-enredo da Mangueira em 1967.
    O História Através da Música em geral se concentra em temas mais abrangentes. Um exemplo foi a aula-show “República – Era de Heróis”, apresentada no dia 15 de novembro de 2008, no Museu da República. No evento, o público discutia como os heróis foram construídos ao longo da história da República, seja pelas elites ou pela própria população. Fossem eles militares, como Tiradentes e o duque de Caxias, políticos do naipe de Getulio Vargas e Juscelino Kubitschek, e populares, como João Cândido e Antônio Conselheiro, além dos heróis anônimos e esquecidos. Debates paralelos questionavam como cada Constituição republicana legitimou os governos instaurados e como a Constituição de 1988 marcou o fim da ditadura e permitiu que os cidadãos voltassem a ter mais participação na política, com liberdade para construir novos heróis.
    O público participou da apresentação de diversas maneiras. Estudantes trouxeram lições da sala de aula e dos livros didáticos para ver como os fatos eram interpretados nas letras das músicas. Isso mostrou a todos que a História não é feita de uma verdade absoluta, e sim de diversas versões que se constroem e se desfazem em função da própria dinâmica das pesquisas e dos escritos ao longo do tempo. Quando foi trabalhada a canção “Kizomba, a festa da raça” – de Luiz Carlos da Vila (1949-2008), Rodolpho de Souza e Jonas da Vila –, foram levadas em conta as diversas versões sobre a abolição da escravatura, baseadas em livros e músicas que enaltecem a princesa Isabel e outras que exaltam Zumbi como o precursor da ideia de liberdade. Dessa forma, procura-se compreender a dinâmica dos escritos históricos e sua importância na construção e desconstrução de heróis.
    Outro trabalho importante do grupo foi a apresentação intitulada “De Colônia a Brasil: histórias que contam História”. Na ocasião, o grupo iniciou a aula com o “Samba do Crioulo Doido”, de Stanislaw Ponte Preta – pseudônimo do jornalista Sérgio Porto (1923-1968) –, cuja letra ironiza os temas históricos abordados pelas escolas de samba. O próprio Crioulo Doido, interpretado pelo ator, apresentou o grupo e abriu o debate sobre a composição. Depois que a canção foi executada, o público foi convidado a identificar os erros históricos nela contidos.
    A sequência do espetáculo foi dividida em três partes. Na primeira, ficou em evidência o processo de Independência do Brasil, com referências ao mito de Tiradentes, à escravidão no Brasil, à chegada da família real em 1808, e ao modo como os compositores de sambas-enredo contribuem para a construção da memória nacional. A segunda parte da apresentação analisava os dois regimes autoritários que floresceram durante o período republicano – Estado Novo (1937-1945) e ditadura militar (1964-1985) – por meio de canções de protesto. O terceiro e último bloco foi dedicado aos movimentos populares e incluiu uma homenagem aos personagens negros da História do Brasil, com direito a um texto declamado pelo Crioulo Doido.
    Integrantes do grupo História Através da Música
    Integrantes do grupo História Através da Música
    Trabalhos como o que é realizado pelo História Através da Música, mais do que permitir que o público em geral vislumbre a memória nacional por meios alternativos, contribuem muito para a reflexão. Quem assiste a uma apresentação do grupo, quando visita uma exposição ou lê um artigo que fala sobre um fato histórico, pode fazer uma série de correlações entre os conhecimentos adquiridos e aqueles que estão implícitos nas composições, observando semelhanças e diferenças, continuidades e rupturas. A combinação de música e História, certamente, dá samba.
    Arranjos para a classe
    Não é necessário que um professor monte um grupo musical para reproduzir a experiência do História Através da Música na sala de aula. Há maneiras mais simples de se aproveitar o conteúdo histórico de nossa música popular. Alguns artistas possuem seus próprios sites e existem dezenas de páginas na internet com informações valiosas sobre o tema, como o do Museu da Imagem e Som, do Rio de Janeiro, e o do Instituto Moreira Salles.

    A primeira coisa a fazer é selecionar músicas relacionadas ao tema a ser trabalhado. Com o repertório escolhido, o próximo passo é mostrar aos alunos um pequeno histórico dos compositores e os períodos em que as canções foram compostas. A partir dessa apresentação, é muito importante deixar que os estudantes busquem as suas próprias interpretações para as obras. Para finalizar, os estudantes devem ser incentivados a pesquisar mais sobre um determinado compositor e levar a pesquisa para a sala de aula.

    Nesta atividade, a música não pode ficar restrita a um papel meramente ilustrativo. É preciso discutir a letra e até o ritmo da canção, pois esses aspectos podem levar o aluno ao conteúdo de livros e artigos previamente indicados. Analisar a diferença entre os temas tratados nos sambas ao longo do tempo e verificar como um mesmo evento é abordado em diferentes momentos podem render bons exercícios. Fica como sugestão uma comparação entre os sambas-enredo da Portela de 1957 e o da São Clemente de 2008, que falam sobre o mesmo assunto: a chegada da corte ao Brasil.
    Saiba Mais:
    AQUINO, Rubim Santos Leão de; DIAS, Luis Sérgio. O samba-enredo visita a História do Brasil. Rio de Janeiro: Editora Ciência Moderna. 2009.
    MÁXIMO, João; DIDIER, Carlos. Noel Rosa – uma biografia. Brasília: Editora UNB, 1990.
    NAPOLITANO, Marcos. História e Música: história cultural da música popular. Belo Horizonte: Editora Autêntica. 2002.
    BITTENCOURT, Circe. Ensino da História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004.

    Internet:
    www.historiaatravesdamusica.wordpress.com
    www.institutocravoalbin.com.br
    www.samba-choro.com.br

    Romney Lima é professor da rede particular de ensino do Rio de Janeiro e membro do Grupo História Através da Música

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